Constipação induzida por medicamentos análogos de GLP1: desafios e abordagens
A descoberta dos agonistas do receptor GLP-1 representa uma mudança de paradigma no tratamento do diabetes tipo 2.
Por Mantecorp Saúde
04/11/2025 - Última atualização: 04/11/2025
A descoberta dos agonistas do receptor GLP-1 representa uma mudança de paradigma no tratamento do diabetes tipo 2, com significante impacto sobre a redução do risco cardiovascular e da doença hepática esteatótica. No entanto, essa classe de medicamento é conhecida por afetar a motilidade gastrointestinal, reduzindo o esvaziamento gástrico e a velocidade de trânsito intestinal, o que frequentemente se associa ao desenvolvimento de efeitos colaterais.1 Eventos adversos relacionados ao trato gastrointestinal são relatados por 40-70% dos pacientes, sendo a constipação intestinal observada em aproximadamente 4-37% dos casos e caracterizada como aquele de duração mais prolongada.2
Tabela de efeitos colaterais (adaptado de Rubio-Herrera MA et al., 2022)2
Como os análogos de GLP-1 interferem no trato gastrointestinal?
O mecanismo ainda é pouco conhecido. Acredita-se que o GLP-1 afete a motilidade gastrointestinal por meio do nervo vago. Os receptores de GLP-1 localizados no plexo mioentérico ativam vias nitrérgicas e de adenosina monofosfato cíclico para inibir a atividade vagal no intestino.3 Em indivíduos sem diabetes, há evidências de que o GLP-1 exógeno possa reduzir o número de complexos motores migratórios na região antro-duodeno-jejunal, o que, potencialmente, prejudica o esvaziamento de sólidos.1
Manejo da constipação intestinal
Popularmente, a constipação intestinal é conhecida como intestino “preguiçoso”, mas do ponto de vista técnico, além de estar associada a evacuações infrequentes (< 3 vezes por semana), abrange também a dificuldade evacuatória ou a sensação de evacuação incompleta. No caso dos análogos de GLP-1, estudos de mundo real demonstram que a constipação é mais prevalente entre pacientes tratados com semaglutida, naqueles com sobrepeso/obesidade (vs diabetes tipo 2) e entre pacientes da raça negra.4,5 Geralmente, os efeitos colaterais relacionados são mais frequentes no início do tratamento e na fase de progressão de dose.2 Além de afetar negativamente a qualidade de vida do paciente, a constipação intestinal também pode impactar o preparo de colonoscopias, com 2,7 vezes mais chance de preparo intestinal inadequado, especialmente entre diabéticos tratados com análogos de GLP-1.6,7
Diante de um paciente com constipação intestinal induzida por análogo de GLP-1 é importante uma anamnese detalhada, questionando-se o tempo de início dos sintomas, idade do paciente, associação com a dose do análogo de GLP-1, características da dieta, ingestão de fibras, água, prática de atividade física, uso de outros medicamentos possivelmente implicados (por exemplo: tricíclicos, opioides, verapamil etc.), bem como história de abuso físico/sexual, eventos obstétricos e história familiar de neoplasia de cólon.8
A abordagem da constipação intestinal nesse cenário envolve educação do paciente antes e durante o tratamento com análogo de GLP-1, além de medidas comportamentais preventivas, progressão lenta de dose da dose do análogo de GLP-1 (start slow, go slow) e, muitas vezes, redução da dose ao longo do tratamento.1 De maneira geral, os pacientes devem ser inicialmente aconselhados a aumentar a sua mobilidade, a ingestão de água e fibras.2 Pacientes com dieta pobre em fibras se beneficiam da suplementação de fibras solúveis, como Psyllium, inulina e polidextrose, as quais além de estimular o trânsito intestinal, também tem efeito prebiótico.9 Em alguns casos, no entanto, é necessária a associação de amaciantes de fezes e até mesmo de medicamentos laxativos.8
A diretriz conjunta da American Gastroenterological Association-American College of Gastroenterology sugere o uso de laxantes osmóticos (por exemplo: polietilenoglicol, óxido de magnésio, lactitol ou lactulose), ou laxativos estimulantes (por exemplo: bisacodil, Senna e cáscara sagrada), os quais que estimulam a atividade colorretal, para pacientes que falharam a medidas dietéticas e comportamentais.8 Metabólitos ativos de Senna são particularmente interessantes no tratamento da constipação intestinal secundária aos análogos de GLP-1, uma vez que estimulam a produção de prostaglandina E2 e a secreção de íons cloreto, levando a alterações concomitantes no peristaltismo colônico e no conteúdo de água luminal.8
Em estudo randomizado controlado incluindo pacientes com constipação intestinal idiopática, o uso de Senna por 4 semanas melhorou a constipação intestinal de 69,2% dos pacientes vs 11% no grupo placebo, sem efeitos colaterais graves.10 Em outro estudo, envolvendo um pequeno número de pacientes submetidos a cirurgia bariátrica ou tratados com análogos de GLP-1, o uso de 21,25 g de ácido oleico em microcápsulas também obteve sucesso na melhora da constipação.11 É importante salientar que a constipação intestinal pode se desenvolver por diversas outras causas não medicamentosas, sendo fundamental atentar a sinais de alarme, como idade > 45-50 anos, perda de peso, anemia, presença de sangue nas fezes e história familiar de neoplasia colorretal.
Conclusão
A constipação crônica é uma condição de alta prevalência e pode ser agravada pelo uso de análogos de GLP-1, com grande impacto na qualidade de vida do paciente. Pacientes tratados com análogos de GLP-1 devem ser educados sobre como mitigar os efeitos colaterais relacionados a medicação para que possam usufruir ao máximo dos benefícios relacionados ao tratamento. Em pacientes refratários a medidas dietéticas e comportamentais, o uso de laxativos osmóticos ou estimulantes pode ser empregado.
Referências bibliográficas: 1. Jalleh RJ, Rayner CK, Hausken T, Jones KL, Camilleri M, Horowitz M. Gastrointestinal effects of GLP-1 receptor agonists: mechanisms, management, and future directions. Lancet Gastroenterol Hepatol. 2024;9(10):957-964. 2. Rubio-Herrera MÁ. Clinical Recommendations to Manage Gastrointestinal Adverse Events in Patients Treated with Glp-1 Receptor Agonists: A Multidisciplinary Expert Consensus. J Clin Med. 2022;12(1):145. 3. Milder DA, Milder TY, Liang SS, Kam PCA. Glucagon-like peptide-1 receptor agonists: a narrative review of clinical pharmacology and implications for peri-operative practice. 2024;79(7):735-747. 4. Aldhaleei WA, Abegaz TM, Bhagavathula AS. Glucagon-like Peptide-1 Receptor Agonists Associated Gastrointestinal Adverse Events: A Cross-Sectional Analysis of the National Institutes of Health All of Us Cohort. 2024;17(2):199. 5. Liu L, Chen J, Wang L, Chen C, Chen L. Association between different GLP-1 receptor agonists and gastrointestinal adverse reactions: A real-world disproportionality study based on FDA adverse event reporting system database. Front Endocrinol (Lausanne). 2022;13:1043789. 6. Gorgojo-Martínez JJ, Mezquita-Raya P, Carretero-Gómez J, Castro A, Cebrián-Cuenca A, de Torres-Sánchez A, García-de-Lucas MD, Núñez J, Obaya JC, Soler MJ, Górriz JL, Yao R, Gala KS, Ghusn W, Abboud DM, Wallace FK, Vargas EJ. Effect of Glucagon-Like Peptide-1 Receptor Agonists on Bowel Preparation for Colonoscopy. Am J Gastroenterol. 2024;119(6):1154-1157. 7. Abu-Freha N, Yitzhak A, Shirin H, Nevo-Shor A, Abu-Jaffar J, Abu-Rafe S, Afianish Y, Cohen DL, Bermont A. Glucagon-like peptide-1 receptor agonists significantly affect the quality of bowel preparation for colonoscopy. Endoscopy. 2024. doi: 10.1055/a-2419-3875. Ahead of print. 8. Chang L, Chey WD, Imdad A, Almario CV, Bharucha AE, Diem S, Greer KB, Hanson B, Harris LA, Ko C, Murad MH, Patel A, Shah ED, Lembo AJ, Sultan S. American Gastroenterological Association-American College of Gastroenterology Clinical Practice Guideline: Pharmacological Management of Chronic Idiopathic Constipation. Am J Gastroenterol. 2023;118(6):936-954. 9. Slavin J. Fiber and prebiotics: mechanisms and health benefits. 2013;5(4):1417-35. 10. Morishita D, Tomita T, Mori S, Kimura T, Oshima T, Fukui H, Miwa H. Senna Versus Magnesium Oxide for the Treatment of Chronic Constipation: A Randomized, Placebo-Controlled Trial. Am J Gastroenterol. 2021;116(1):152-161. 11. Al-Humadi AW, Al-Najim W, Bleiel S, le Roux CW. Laxative Properties of Microencapsulated Oleic Acid Delivered to the Distal Small Intestine in Patients with Constipation after Bariatric Surgery or Treatment with Glucagon-Like- Peptide 1 Analogues. Obes Surg. 2024;34(10):3807-3812.
Outros artigos
Ver todos trending_flatNossos produtos
A Mantecorp Farmasa se consolidou entre as líderes do mercado farmacêutico brasileiro. Confira nossos produtos: